 Há uma grande questão que a Humanidade ainda não conseguiu resolver. E não, não estamos a falar do terrorismo internacional, nem da crise financeira ou das capas d’ “A Bola”. Esse grande mistério que intriga todas as cúpulas de poder tem o nome de Amora. Como vamos nós explicar às gerações mais novas que na Amora já houve jogos de primeira divisão? E, ainda por cima, num campo pelado?
Há uma grande questão que a Humanidade ainda não conseguiu resolver. E não, não estamos a falar do terrorismo internacional, nem da crise financeira ou das capas d’ “A Bola”. Esse grande mistério que intriga todas as cúpulas de poder tem o nome de Amora. Como vamos nós explicar às gerações mais novas que na Amora já houve jogos de primeira divisão? E, ainda por cima, num campo pelado?Pois é, não é fácil. Há quem acredite em extraterrestres, há quem acredite que Urretavizcaya é o nome de um banco comercial basco, mas pouca gente acreditará que ali, nessa belíssima localidade que é a Amora, no meio daqueles prédios habitacionais de vários andares que esfregam os seus estendais uns nos outros com a ferrugem da Lisnave como pano de fundo, já houve futebol de primeira.
Só quando tentamos exprimir a nossa angústia a um estrangeiro e falamos em inglês é que nos apercebemos da dimensão deste problema. Pergunta-nos o camone:
- Remember the 1981 championship? Against which teams did you lose points?
E nós respondemos:
- We drew a game against Raspberry…
- Raspberry?
- Yes.
- An ordinary berry… from a bush?...
- Yes. And then we blew it again when we played against Goodsight…
- Goodsight??
Mais vale nem continuar com traduções literais, apesar do Sporting of Birds nem ter estado presente na primeira liga em praticamente nenhuma ocasião (*). A credibilidade do discurso vem logo por aí abaixo, como se nota.
E por aí abaixo veio o Amora, aos trambolhões por essas séries nacionais, espalhando-se ao comprido nessa sorridente AF Setúbal, onde vai lambendo as feridas de forma plácida, aconchegando-se nos tépidos lodos do estuário do Tejo donde parece não querer, e não poder, sair.
Não nos interessa inventar a pólvora nem provar que o Amora já jogou na primeira divisão e num campo pelado. Preferimos divulgar aquela que foi a última compota de (relativa) qualidade produzida lá para os lados da Medideira. O ano: 1994, ano em que o menino Raul Meireles idealizou a sua 14ª tatuagem. O local: 2ª Divisão de Honra. Os registos que se seguem podem impressionar algumas pessoas menos familiarizadas com o kitsch aterrador que envolvia como uma névoa tóxica o mundo futebolês do final de século passado.
 Há muita coisa para dizer, em termos estilísticos, sobre esta foto. Tanta coisa que merece a análise cuidada dos verdadeiros futebófilos… Mas o mundo da Internet não se compadece com compêndios de arte. Por isso, vou apenas sintetizar alguns pontos que me parecem de relevância incontornável, deixando à vossa imaginação, capacidade de percepção e demasiado tempo livre os restantes aspectos.
Há muita coisa para dizer, em termos estilísticos, sobre esta foto. Tanta coisa que merece a análise cuidada dos verdadeiros futebófilos… Mas o mundo da Internet não se compadece com compêndios de arte. Por isso, vou apenas sintetizar alguns pontos que me parecem de relevância incontornável, deixando à vossa imaginação, capacidade de percepção e demasiado tempo livre os restantes aspectos.1 – Tirar uma fotografia de frente para o sol é um excelente estratagema para sacar a careta mais risível de cada um.
2 – Fantásticos murais de publicidade local pintados manualmente como cenário, obrigatório nas catacumbas do futebol indígena tal como um tapete da última ceia de Cristo na casa dos nossos avós.
3 – Os tipos mais espertos do grupo de trabalho (o treinador e dois informadores) precaveram-se com óculos de sol, mas nenhuns óculos de sol conseguem ocultar o distinto porte do senhor em primeiro lugar a contar do lado esquerdo na fila do meio.
4 – O tipo que se esconde atrás do Pedra, à direita na fila do meio.
5 – O 3º tipo a contar da esquerda da fila do meio possui umas melenas de fazer inveja a qualquer Pearl Jam wannabe e está com cara de quem também está muito chateado com a vida, de acordo com a cartilha em voga em 1994. Pudera, estar com o sol nas trombas, levar com bombas atómicas no cabelo para o fazer descer pela manhã e ficar ao lado do treinador… não é fácil.
6 – 3 ou 4 bigodes, só na fila do meio.
7 – Já referimos o tipo que se esconde atrás do Pedra, à direita na fila do meio?
8 – E o fato de treino do tipo de bigode com óculos escuros à esquerda na fila do meio?
9 – Com certeza que já repararam no indivíduo que se esconde atrás do Pedra, à direita na fila do meio…
10 – Será que o tipo em 1º lugar a contar da esquerda na fila de cima é cego? Ou apenas não quer ver?
11 – Fila de baixo: apreciar o jeito descontraído do primeiro jogador a contar da esquerda e o jeito de “ai, mau; mas tu queres ver que vamos ter chatices?”, do Casimiro, o 5º a contar da esquerda (e a este ponto regressaremos mais abaixo).
A título particular, queremos destacar as seguintes individualidades desta autêntica fábrica de estilo que foi o Amora.
 Major – A pincelada de disciplina num balneário aparentemente desorganizado. O putativo aspecto de Lionel Ritchie, o caniche esparramado na cabeça e o bigode discreto numa cara de poucos amigos ajudaram a cimentar o lugar de Major na História. Para complementar a imagem de um central duro de roer, uma patente militar como alcunha. Porém, e lamentavelmente, levaram o Major em pouca conta. Desapareceu num obscuro campo de batalha, ao comando de um exército sem soldados. A seguir a D. Sebastião, é por Major que a Amora mais chora em dias de nevoeiro.
Major – A pincelada de disciplina num balneário aparentemente desorganizado. O putativo aspecto de Lionel Ritchie, o caniche esparramado na cabeça e o bigode discreto numa cara de poucos amigos ajudaram a cimentar o lugar de Major na História. Para complementar a imagem de um central duro de roer, uma patente militar como alcunha. Porém, e lamentavelmente, levaram o Major em pouca conta. Desapareceu num obscuro campo de batalha, ao comando de um exército sem soldados. A seguir a D. Sebastião, é por Major que a Amora mais chora em dias de nevoeiro.Jaime – orelhas de Dumbo e sorriso de criança, Jaime só queria que lhe deixassem jogar à bola. E até tinha jeito, passou largos anos com o azul de Belém ao peito e voltara em ’94 para infernizar as bancadas nuas da Medideira. Debalde. Pouco afável para quem fosse mais lesto que ele, Jaime embirrou com o cortador de relva após o 3º treino e foi fazer castelos de lama para onde hoje fica a Caixa Futebol Campus. Actualmente é conselheiro de imagem de LFV. Com resultados avassaladores, diga-se de passagem.
Maside – ar de quem foi o último a mandar uma bola de papel e cuspo ao cabelo de uma colega e a quem a professora perguntou: “Ruizinho, foste tu”? A travessura em pessoa. Sempre danado para a brincadeira. Falhava golos atrás de golos apenas para gozar com os corações dos adeptos mais velhos. Passou por Alvalade XX sem marcar nenhum golo. O verdadeiro guru espiritual dos pranksters da margem sul. Os Da Weasel cresceram a ver os pontapés na atmosfera de Maside.
Rildon – Matador de instinto felino, veio do Alto Amazonas de zarabatana em riste e com coloridas pinturas de rosto para liquidar as defensivas contrárias. Mas logo se dedicou a outros negócios – nomeadamente, os ilícitos. Esteve para vir juntamente com Ramón, Paco Nassa e Wilmar, mas venceu-os a todos num Combate Mortal no porão do barco que os transportou do Brasil, ficando com o exclusivo de representar o Amora após o fatality aplicado em Paco Nassa. Rildon foi seguramente o primeiro carjacker em Portugal, quando isso ainda significava roubar Renaults 5 só para ficar com o auto-rádio que se escondia debaixo do banco. Faltava muitas vezes aos treinos, para alívio do restante balneário.
Casimiro – a verdadeira pièce de résistance do Amora. Colocado num plano central face aos demais, foi em torno de Casimiro que todo este clube com nome de fruto silvestre organizou a sua época desportiva. A sua história constitui um grande exemplo de vida. Casimiro foi descoberto numas obras na Torre da Marinha. Acabava de saborear uma merecidíssima mini e de lançar um piropo à mulher dum dirigente do Amora que ia a passar, entrecortado por um arroto gutural só ao alcance dos predestinados. Fascinado pelo amplo vigor demonstrado por Casimiro, o dirigente imediatamente abordou Casimiro para saber da sua disponibilidade, ainda com o bafo a cerveja morna a pairar no ar:
- Ó rapaz, jogas à bola?
- Iá, dou uns toques – respondeu Casimiro, limpando o bigode da espuma.
- Queres vir jogar no Amora?
- Iá, pode ser.
- Então ‘bora lá.
E foi assim. Deram-lhe um equipamento diferente dos demais para a foto individual e Casimiro por lá andou meia época a passear a sua classe. A mulher do dirigente andou muito feliz enquanto Casimiro frequentou os treinos, vá-se lá saber porquê.
O resultado deste grupo de top-models da bola não foi famoso no campo desportivo – despromoção sem apelo nem agravo e o nunca mais regressar a um patamar tão alto. Nenhum destes jogadores permaneceu na Amora em 1995/96. Foi o preço a pagar pela soberba amorense.
(*) Já outros clubes estiveram mais épocas na primeira divisão. Eis exemplos de alguns desses clubes traduzidos literalmente: Wellstay, Celtic Lisbon, FC Oporto Wine, Lady Academic, National, Female Blacksmith Steps, Amateur Girl Star, The Bethlemners, Sporting of Keys, Sporting of Thorn e Bird River.
 
 
 

9 comentários:
Querem o autógrafo do Major? Nós temos!
Aliás... são autógrafos de quase todo o plantel do Portimonense na época 89-90! Major assina no canto inferior esquerdo.
http://blogdoportimonense.blogspot.com/2008/07/nos-anos-80-dois-dos-treinadores.html
O sr. atrás do Pedra está simplesmente uma pedra!!
Tirem-me uma duvida quem é o cabeça de abacaxi entre o Antonio Borges ( 1000 vénias) e o Eskilsson (999 vénias) no vosso painel crómatico publicitario ?
Um abraço bem apertado com Tanta força.
Pequeno David: esse ícone cromístico chama-se Quitó.
Existiu. E merece 1001 vénias.
Podes vê-lo aqui: http://cromos_da_bola.blogspot.com/2004/08/quit-esse-mito-da-feira_18.html
Grande post, cacete.
Está delicioso,e o binómio Casimiro-Major é de comer e chorar por mais, tal qual um bigode de Matias polvilhado a António Jesus.
Aproveito para anunciar infelizmente o meu regresso (em breve) às lides blogueiras activas, para horror e desespero de todos vós e de três gajos na Suazilândia.
Peço desculpa.
Amora-Barreirense...
Um jogo tão grande como um Salgueiros-Boavista, tão disputado como um Sesimbra-Laranjeiro, tão emocionante como um Sporting da Covilhã-Benfica de Castelo Branco, tão medonho como um Farense-Famalicão...
Os Ultras Amora cotra os Ultra Roulotte do Barreiro!
Festa bonita: bandeiras no ar, minis na mão, beatas no chão, restos de unha na boca.
Há de tudo...
O Bilro está na bancada......
Abraço
Ivo
Muito bom post! Parabéns pelo texto Rodrigues. Gostei particularmente do: "... entrecortado por um arroto gutural só ao alcance dos predestinados" LOL Há cerca de 2 ou 3 anos que venho com regularidade a este blog e fico feliz por ver que continua ao mais alto nível (é verdade que o que não falta é matéria prima "cromística"). Continuem o bom trabalho!
Um forte abraço Kirovskiano para todos!
Rodri
Esse bigode e mesmo do Casimiro?
PS: O Salgueiros nao desapontou na primeira jornada, perdeu em casa contra o Paradela. Reportagem na liga dos ultimos
O Photoshop pode fazer coisas bonitas, mas o milagre do bigode do Casimiro... só a Natureza podia fazê-lo.
Apesar de tudo, Fernando Almeida encarnou o verdadeiro espírito da Fénix e molhou a sopa. Está-lhe no sangue.
Olá a todos.Eu era puto quando a foto foi tirada mas parece-me ser quem tratava do relvado. "João do
Campo" é como era tratado nessa altura.Está resolvido o mistério, penso eu.
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